Existe uma preocupação crescente sobre a forma como devem agir as instituições que detêm coleções de imagem digital nos seus fundos, para garantir a salvaguarda destas imagens para as gerações futuras. Há 10 anos atrás a fotografia digital era uma curiosidade, de que se falava esporadicamente e que raramente tínhamos a oportunidade de ver. Havia então a convicção, todos nos lembramos ainda, de ser apenas uma experiência, que ficava muito aquém da fotografia analógica em termos de qualidade, definição e fidelidade de cor.
Com o progresso tecnológico dos últimos anos a fotografia digital foi-se aperfeiçoando e aproximando da fotografia analógica em termos de qualidade. As facilidades de criação e reprodução que lhe são inerentes foram-na fazendo invadir muitos domínios da fotografia tradicional, em casa, na escola, nos meios de comunicação. Esta invasão estendeu-se também às instituições detentoras de bens culturais, arquivos e bibliotecas.
Hoje a fotografia digital faz parte dos fundos de muitas instituições, tanto sob a forma de imagens inicialmente analógicas, digitalizadas pela própria instituição, como de imagens geradas de origem em formato digital, de que não dispomos portanto de negativo ou diapositivo original. Dentro de 10 anos a fotografia digital terá certamente ultrapassado, em termos de produção e qualidade, a fotografia analógica e constituirá um sistema de imagem, a todos os níveis, universal. Nesse momento seremos muitos mais a levantar esta questão, que hoje aqui abordamos: como vamos preservar as imagens digitais para as gerações vindouras?
Tipos de imagem
Vejamos um pouco melhor as características destes dois tipos de imagem: analógica e digital.
A imagem analógica, ou fotografia tradicional, é constituída por grãos de prata, pigmentos, corantes, ou outro material formador de imagem, depositado sobre um suporte material (papel, plástico, vidro, etc.). É um material de visualização direta, que não requer descodificação, basta haver luz para ser lida. O observador não necessita de qualquer informação adicional para visualizar o conteúdo, embora seja necessária informação adicional, na maioria dos casos, para o relacionamento da imagem com o seu contexto. Mais simples e rápida de ler do que o texto escrito, a fotografia não requer que o utilizador seja letrado, ou tenha formação escolar, para compreender o conteúdo. Poderemos dizer que é de utilização imediata e universal. A imagem analógica pode ser reproduzida por meios fotográficos, para outro suporte; neste processo resulta sempre alguma perda de qualidade.
A imagem digital é um código numérico, gravado num suporte tecnológico, que depois de ser descodificado se apresenta como um conjunto de pontos discretos, elementos ínfimos, chamados pixel, (pixel = picture + element). No suporte onde está gravado, cada pixel é representado por um número, em sistema binário, que descreve a cor e intensidade luminosa daquele ponto. A imagem é assim guardada fisicamente sob a forma de um ficheiro constituído por “0” e “1”. Para ser vista como imagem, este ficheiro terá que ser descodificado por uma máquina (computador). Pode ser reproduzido sem perda de qualidade.
Estes dois tipos de imagem tendem a coexistir nas instituições que têm como vocação o depósito e salvaguarda de documentos e bens culturais. E tratando-se de imagens fotográficas em ambos os casos, a sua preservação tende a ser entregue aos mesmos responsáveis, os que até agora cuidavam e mantinham as coleções de fotografia tradicional. Na verdade os princípios por que se rege a preservação de imagens digitais e os procedimentos e cuidados a ter, parecem ser bem diferentes, podemos dizer até opostos, dos seus congéneres analógicos. E são não existir consciência dos problemas inerentes à conservação da fotografia digital e formação técnica dos responsáveis, poderemos vir a encontrar grandes problemas de preservação, quando as coleções atingirem as dezenas ou mesmo centenas de milhares de imagens digitais.
Estratégias para a preservação da fotografia analógica
A preservação da fotografia analógica assenta em dois princípios básicos, que são os dois pilares essenciais da conservação de fotografia: o controlo ambiental do arquivo e o controlo do uso dos originais fotográficos. Através do controle ambiental, tentamos minimizar a decadência interna, retardar as reações químicas entre os materiais que constituem as fotografias e destes com o meio ambiente. Com o controlo do uso, tentamos minimizar as causas externas de decadência. Para a visualização dos originais fotográficos somos obrigados ao seu manuseamento físico. O esforço físico resultante da manipulação, o pó e a sujidade quando se retiram das embalagens, a ação devastadora da luz sobre os corantes, as flutuações de condições ambientais resultantes de entradas e saídas de depósito climatizado, vão deteriorando a fotografia e são uma ameaça à sua preservação a longo prazo.
Existe uma contradição evidente, entre a preservação e a utilização da fotografia, que tem sido gerida pelos conservadores de fotografia de forma delicada. Se as fotografias forem muito usadas deterioram-se mais depressa. Se forem vedadas aos utilizadores, a sua permanência em depósitos climatizados especiais não fará também grande sentido. Acresce a isto que, mesmo sem manuseamento, permanecendo nos depósitos em boas condições de humidade e temperatura, as fotografias originais continuam a envelhecer e a percorrer uma longa marcha para a decadência. Os materiais de que são constituídas não são eternos, estão sujeitos a decomposição contínua: o papel tende a sofrer o processo da hidrólise ácida, com quebra das fibras de celulose, conduzindo ao seu amarelecimento e fragilização; a prata tende a sofrer um processo de oxidação e redução, de que resultam danos visíveis na imagem, os corantes tendem a decompor-se e a imagem desvanece. Todos os materiais sofrem desta decadência, pois não são eternos. Não estão livres de catástrofes naturais mais correntes, guerras, incêndios e inundações, nem das catástrofes geradas pelas próprias instituições, como obras no edifício, mudanças, períodos de crise e abandono, que chegam a ser mais devastadoras do que as anteriores. Podemos dizer que a decadência contínua é uma característica intrínseca da fotografia analógica.
Algumas fotografias são mais instáveis e não basta um depósito climatizado e controlo da utilização para as preservar, há que as colocar em ambiente frio. O frio prolonga muito a vida das fotografias. A fotografia a cor atual, por exemplo, é instável à temperatura ambiente, porque os corantes orgânicos que a formam decompõem-se com o calor e a imagem desvanece. O seu depósito em ambiente frio minimiza esta decomposição.
Reprodução como forma de preservação
Outra estratégia de preservação de fotografia analógica, muito usada nos últimos anos, é a reprodução fotográfica do original. Um original que se encontre fragilizado, deteriorado ou que engloba materiais instáveis, é reproduzido por um processo fotográfico para outro suporte mais estável, que nos garanta uma longevidade maior do que o original. Grandes coleções de fotografias instáveis têm sido copiadas ou duplicadas com sucesso, entre eles citamos milhões de negativos em nitrato de celulose, que são altamente inflamáveis e quimicamente instáveis, foram preservadas da destruição por meio da reprodução fotográfica desde a década de 1970. Noutros tempos (décadas de 1960 e 1970), as fotografias a cor mais valiosas eram reproduzidas e desdobradas em 3 imagens a preto e branco, para garantir a sua preservação a longo prazo. A imagem original a cor podia ser recomposta mais tarde, por um processo fotográfico, a partir das três imagens a preto e branco.
A reprodução de fotografia tem uma importância grande em conservação, mas não deixa de ter as suas limitações. Mesmo que a sua execução seja um processo perfeito, sabemos que, de geração para geração, a qualidade da imagem se vai degradando inevitavelmente, o que nos limita o número de gerações. Um original fotográfico é copiado, criando uma segunda geração, que poderá apresentar ainda muito boa qualidade de imagem. Na terceira geração, contudo, será já notório que se trata de uma cópia e na quarta esta circunstância será evidente. As gerações seguintes poderão ser totalmente inaceitáveis. Esta deterioração da qualidade da imagem manifesta-se na compressão dos tons da escala de cinzentos, ausência de altas luzes e perda da riqueza tonal nas sombras (as zonas escuras tendem a fundir-se numa massa negra), redução da reprodução do pormenor e multiplicação de imperfeições e sujidades. No caso dos originais a cor, o desvio de cor em relação à cor original e o aumento do contraste são constantes nas reproduções. Outro aspeto delicado deste processo é que, a qualidade da reprodução está dependente da perícia do operador, da qualidade do equipamento, nomeadamente da objetiva, da fonte de luz e de todo o sistema. Não é fácil nem acessível a qualquer um fazer uma boa reprodução fotográfica.
Reprodução da imagem digital
Comparativamente, a reprodução de imagem digital, é quase uma brincadeira de crianças. Se tivermos uma imagem digital de boa qualidade, teremos toda a facilidade em a reproduzir, indefinidamente, de geração em geração, sem perda de qualidade da imagem, mesmo usando apenas um equipamento caseiro de baixo custo. O que vem introduzir um componente nova em relação à fotografia analógica: mesmo dispondo apenas de um pequeno computador doméstico, um operador pouco experiente consegue reproduzir uma imagem digital com a qualidade do original. A cópia terá rigorosamente a mesma qualidade da imagem mãe. Esta é portanto uma grande novidade do sistema digital e uma das suas características mais interessantes: o original e a cópia são exatamente iguais, ao ponto de não se distinguirem.
Não faz mais sentido falar em original, nem em segunda geração, porque esta é igual à terceira e esta igual à quarta e quinta geração, sempre assim indefinidamente, desde que o processo de cópia seja realizado dentro de certas regras e que seja feito um controlo de qualidade da cópia produzida. Os atuais leitores-gravadores de CD e fita magnética são capazes de reproduzir ficheiros com uma probabilidade de erro menor do que 10-12. A probabilidade de erro é muito pequena, requerendo mesmo assim a verificação da fidelidade da cópia. Existem programas que comparam o ficheiro copiado com o ficheiro original e nos asseguram da fidelidade da cópia. Teoricamente poderemos copiar muitas gerações, sem qualquer decréscimo da qualidade, perda de informação, alteração da riqueza tonal ou de cor. Na verdade, ao copiar uma imagem digital, o que estamos a copiar é um ficheiro, composto por números, em sucessão determinada. Se o computador não trocar zero por um, ou vice-versa, teremos uma cópia igual ao original. Estamos perante uma verdadeira revolução na preservação da imagem. Dentro de cem ou duzentos anos, os nossos sucessores poderão ver as imagens digitais de hoje, tal como nós as vemos e com a mesma qualidade que ostentavam no dia em que foram criadas.
A ideia empírica que temos, de associar fotografia antiga a imagem amarelecida, com perda de leitura de detalhes e com contraste insuficiente, vai desaparecer em breve. As qualidades da imagem digital mantêm-se ao longo do tempo e ao longo de inúmeras gerações de ficheiros copiados, uns atrás dos outros. A deterioração e a perca de qualidade de uma imagem deixarão de ser um critério para definir a sua idade, por muito estranho que isso hoje nos pareça. Vejamos agora o reverso da medalha. A imagem digital é invisível, é apenas um ficheiro que conseguiremos ver com a ajuda de um descodificador. Poderemos olhar para um CD ou para uma fita magnética um dia inteiro, que não veremos alguma imagem. No máximo poderemos perceber se o CD terá ou não algo gravado pela alteração de cor da sua superfície; na fita magnética nem isso podemos concluir por observação direta. O sistema de descodificação necessário é composto por um leitor digital, que lê o sinal no suporte, pelo software de interpretação e de reconstituição da informação em imagem e por um computador com um sistema operativo compatível, um monitor e tudo o mais, que bem conhecemos. Este sistema de leitura tem que estar adaptado ao sistema, que gerou e gravou num suporte, a imagem digital em causa. Para a leitura ser possível terá que haver compatibilidade entre sistemas e entre gerações dentro do mesmo sistema digital.
A evolução tecnológica dos últimos anos mostra-nos que um sistema digital é ultrapassado por outro mais moderno, poucos meses ou anos após o seu lançamento, tornando-se um sistema obsoleto algum tempo depois. Novos sistemas digitais têm surgido e continuarão a surgir certamente, em sucessão sucessiva, sem cessar. Os sistemas antigos tornam-se obsoletos, inevitavelmente, no espaço de uma década ou antes disso e as imagens por eles geradas ou neles mantidas, deixam de ser lidas, descodificadas ou reproduzidas pelos novos sistemas que entretanto surgem. A indústria tende a abandonar a produção do sistema antigo, assim que as vendas deixam de ser compensadoras, tornando-se obsoletos, não só os equipamentos e programas, mas também os formatos de gravação e de formatação de suportes. Os próprios suportes são ultrapassados por outros, de maior capacidade de armazenamento, rapidez de acesso ou gravação e menor custo. Isto significa que, aos responsáveis pela conservação do património visual, não basta garantir a boa condição física dos CD, fitas magnéticas, discos rígidos, ou qualquer outro suporte de arquivo de imagens. Os ficheiros devem ser atualizados para se manterem legíveis e utilizáveis. Se o nosso arquivo de imagens permanecer fechado e isolado por alguns anos, quando o quisermos abrir arriscamo-nos a encontrar uma Biblioteca Babilónica, indecifrável. Já assistimos à decadência das disquetes de formato maior, a já esquecida drive B, dos computadores dos anos 80. Os computadores de hoje deixaram de ter esta drive, os documentos e imagens gravados neste suporte não podem ser lidos, estão perdidos. Já assistimos à decadência de formatos de imagem, como o formato PCX. Arquivos, com grandes repositórios neste formato, foram obrigados a refazê-los, para não perderem a informação. Como garantir então que os nossos arquivos de fotografias digitais possam ser utilizados por gerações futuras? Preservação digital versus preservação analógica.
A preservação da imagem digital tem um modo de ser, ou uma filosofia poderemos dizer assim, diferente da preservação de fotografia convencional. Teoricamente, a tecnologia digital é a única que nos pode garantir a preservação das imagens atuais (e passadas), a longo prazo, pois a imagem digital não sofre a decadência progressiva, que é uma característica inerente das imagens fotográficas tradicionais (analógicas). Na fotografia analógica a perda de informação vai acontecendo sempre (de forma mais ou menos acelerada), num processo contínuo, que não conseguimos interromper. O conservador de fotografia analógica limita-se a tornar esta decadência o mais lenta que lhe é possível. Com a imagem digital esta degradação progressiva não se verifica e encontramos geralmente apenas duas situações, quanto à legibilidade da imagem:
Situação 1- conseguimos ler a imagem perfeitamente, com toda a qualidade, como no dia em que foi gerada por uma câmara digital ou por um scanner.
Situação 2 - não conseguimos a imagem de todo e neste caso estará perdida, a não ser que entretanto tenha sido copiada para outro sistema.
Lukas Rosenthaler indica-nos seis causas para a perca de informação por impossibilidade de leitura:
1. Perda de dados sobre o arquivo – os ficheiros não se conseguem encontrar porque se perdeu a informação da localização, formato, etc.
2. Perda de meta dados – os ficheiros digitais podem ser lidos, mas a informação acompanhante está perdida e estes não se podem utilizar.
3. Formato do ficheiro desconhecido – os ficheiros digitais podem ser lidos, mas o formato em que estão escritos já não é compatível ou não é conhecido e portanto não se podem decifrar ou interpretar.
4. Formatação do suporte - os ficheiros digitais não podem ser lidos porque o tipo de formatação do suporte não é conhecido (exemplo um CD pode ser formatado em MAC, ISO 9660, Joliet, UDF Direct CD).
5. Falta de aparelho de leitura – já não temos aparelhos para a leitura deste suporte (exemplo as disquetes de 5“ usadas na década de 1980) CONFIRMAR.
6. Deterioração do suporte – os ficheiros digitais não podem ser lidos devido à deterioração ou envelhecimento do suporte.
Como vemos, a perda da imagem digital está associada principalmente a causas externas à própria imagem ou ao suporte onde esta se encontra. Estas causas centram-se em torno de problemas como falta de sistema de leitura ou falta de código para decifrar a escrita digital. A perda da informação por deterioração do suporte é apenas uma entre as várias causas possíveis e não é a mais devastadora.
Conservação digital significa inspeção e reprodução permanente
Para garantir a preservação a longo prazo dos nossos repositórios digitais, teremos que garantir que o sistema e a linguagem de gravação se mantenham atuais e compatíveis com o que se encontra no mercado. Ou seja, que acompanhem a evolução tecnológica permanente deste setor. Dado que a tecnologia evolui de forma permanente, resta-nos apenas a solução de copiar a imagem para outro suporte ou geração informática mais atual, sempre que houver evolução. Esta forma de preservação não será especifica da fotografia ou de ficheiros digitais com imagem, antes será comum a outros sistemas de arquivo de informação digital, quer sejam bases de dados, desenhos técnicos, textos ou som. A informação armazenada em código requer atualização permanente do sistema de descodificação, para se manter acessível a longo prazo.
A questão de tocar e usar os originais o mínimo, dar repouso absoluto às coleções, sobretudo às mais frágeis e antigas e manter um controlo ambiental cerrado deixa de fazer sentido na preservação da imagem digital. As coleções digitais não podem permanecer em repouso por um período longo. Há que verificar e atualizar constantemente os ficheiros. Não há originais digitais frágeis ou antigos, há apenas ficheiros, que podem estar num suporte ou formato atual ou num sistema ultrapassado. Estes últimos serão os nossos itens frágeis. O seu “restauro” é de fácil execução, copiando o ficheiro antigo para o formato ou sistema novo. O obteremos uma imagem nova, rigorosamente igual à anterior em termos de conteúdo e compatível com a ultima geração informática. Este processo deve ser feito regularmente, não sendo permitidos períodos longos sem intervenção sobre as imagens. Nunca poderemos estar descansados. Se nos atrasarmos no processo de atualização, poderemos deparar com uma situação irresolúvel. A preservação de fotografia digital significa ação constante.
A questão da longevidade do suporte digital passa a ser secundária desde que este suporte seja mais estável do que o sistema informático. Será irrelevante neste processo, se o CD abre micro fissuras ou tende a amarelecer ao fim de 20 anos no arquivo, porque muito antes de isso acontecer, será copiado numa formatação mais avançada e provavelmente descartado. Com ou sem brechas, com ou sem amarelecimento, será substituído. Não estaremos a colocar no lixo uma obra de arte, nem um original valioso que o autor produziu com as suas ferramentas e tecnologia própria. Deixa de fazer sentido guardar a fita magnética original, com as fotografias que o próprio fotógrafo gravou no seu estúdio. Com o desvanecimento da ideia de “original”, perdemos também a obrigação de preservar o seu suporte físico para a eternidade. A ideia mítica de preservação da prova de autor, da fotografia analógica, é deslocada. Na fotografia digital pretendemos apenas preservar os conteúdos. O progresso tecnológico não nos dá tréguas, não o poderemos ignorar.
Não sabemos dizer se a evolução tecnológica vai continuar a este ritmo. Será que o aumento da velocidade dos processadores terá um limite físico? Será que a evolução e sucessão de sistemas e softwares vai continuar a este ritmo alucinante? Cada salto tecnológico é uma nova dor de cabeça para os conservadores de fotografia digital: oh não, aí vem o novo sistema digital, teremos em breve que atualizar todos os nossos ficheiros de imagem! Pensemos o que isto significa em termos de em horas de trabalho, custos de manutenção e aquisição de novos equipamentos. Estamos perante uma missão impossível. O que poderemos então fazer?
Planeamento de novos projetos digitais e inspeção e atualização das coleções
Perante este quadro, como podem os conservadores de imagem digital, atuar para garantir aos futuros utilizadores as imagens sob a sua custódia? Poderemos atuar a dois níveis:
1. Nos projetos de digitalização em curso no momento em que as imagens digitais são geradas (tanto pelo scanner como pela câmara digital);
2. Na manutenção das coleções existente numa instituição.
Quanto aos projetos de digitalização em curso há opções a tomar logo de início, que nos podem garantir uma maior longevidade dos ficheiros digitais criados e um leque de utilizações mais amplo.
Vejamos algumas estratégias a seguir na criação de novas imagens digitais:
1. Digitalizar com a máxima resolução que o nosso sistema informático seja capaz de produzir e que a nossa instituição possa manter em termos económicos.
2. Guardar sempre uma matriz digital de cada original digitalizado. Esta matriz será uma réplica do nosso original digitalizado (o fac-simile digital), com a resolução máxima que nos é possível obter, gravado sem compressão nem tratamento de imagem.
3. Guardar a imagem para arquivo num formato de imagem não proprietário (ou seja que seja de utilização livre e universal), como o formato TIFF sem compressão. O formato TIFF está totalmente publicado. Isto assegura-nos independência em relação a proprietários comerciais que possam vir a descontinuar o formato. O formato TIFF dispõe de um grande número de etiquetas (Tags), que permitem guardar informação escrita na própria imagem.
4. Manter um duplicado de cada ficheiro digital noutro suporte. Por exemplo uma cópia em DVD e outra cópia em fita magnética, guardadas em locais diferentes. Permite-nos maior segurança em caso de avaria de um suporte e proteção suplementar em caso de catástrofe natural.
5. Agregar dados à imagem digital que nos facilitem a sua interpretação. Vejamos alguns dados a associar.
a. Data da digitalização
b. Características técnicas do equipamento usado, tanto do scanner como do computador
c. Sistema operativo do computador usado
d. Software do scanner usado
e. Descrição do original usado para a captura da imagem digital (exemplos: digitalizado a partir do diapositivo original, ou digitalizado a partir de negativo de cópia, ou digitalizado a partir de prova de autor, ou digitalizado a partir de postal comercial).
f. Dados referentes ao proprietário da imagem – nome e contactos
g. Dados referentes a restrições de utilização impostas pelo proprietário
Há um consenso crescente, entre os conservadores de que, para cada fotografia original digitalizada, serão necessários vários ficheiros digitais, de forma a satisfazer os vários possíveis usos. Primeiro precisamos de uma imagem para arquivo, ou matriz. Esta deve ter uma resolução tonal maior do que oito bites por canal, não deve ser processada ou modificada para qualquer tratamento específico e não deve ser comprimida ou se o for deve ser de forma em que não haja perda de informação. A partir deste ficheiro para arquivo, poderemos criar vários ficheiros derivados, com as características próprias para a aplicação a que se destinam.
A evolução tecnológica dos próximos anos vai colocar grandes desafios de preservação às instituições detentoras de coleções de imagem digital. Muitas instituições, que investiram na informatização das suas coleções de fotografia, guardam repositórios digitais de dimensão considerável, que pretendem a todo o custo preservar a longo prazo. Manter uma coleção muito grande, com centenas de milhar de imagens (gravada por exemplo em 20 000 CD) e que contém todo o espólio produzido e digitalizado pela instituição nos últimos anos, requer um serviço bem estruturado, com técnicos dedicados e com formação, com equipamentos adequados, para funcionar de forma efetiva.
Para responder a este desafio as instituições vão ter ganhar consciência do problema e da sua dimensão em primeiro lugar. Terão que criar um serviço próprio, com técnicos seus ou contratados de empresas especializadas, que realize a inspeção e manutenção permanente dos recursos digitais. Este serviço deverá ter equipamentos próprios e técnicos especializados. Este serviço terá como missão:
1. Manter um banco de dados sobre o próprio arquivo - localização e conteúdos dos registos digitais, suporte em que se encontram, sistema operativo e formato em que foram gravados, data da última cópia, data da última inspeção, etc.
2. Manter a instituição a par da evolução tecnológica e ajudar a decidir na adoção de novas tecnologias ou equipamentos.
3. Testar compatibilidades do sistema atual com novos sistemas.
4. Dar formação aos operadores e técnicos.
5. Verificar de forma regular e exaustiva a legibilidade dos ficheiros digitais em arquivo.
6. Converter os ficheiros digitais em linguagens ou em suportes ultrapassados para versões atuais.
7. Assegurara a boa qualidade das cópias realizadas. Pode haver erros na gravação e a cópia só é segura depois do controlo de qualidade.
Os próximos anos nos dirão se a passagem da fotografia tradicional para fotografia digital se revela como um avanço em matéria de preservação de imagens para futuras gerações de utilizadores, ou se pelo contrário, estaremos perante uma verdadeira catástrofe.
Lisboa 28 de Outubro de 2002
Luis Pavão
Bibliografia
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