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FADO VADIO - Exposição de Fotografia de Luis Pavão

Decorreu de 16 de Maio a 25 de Maio a exposição de fotografia de Luís Pavão sobre o Fado em Lisboa, com imagens realizadas na década de 1980 e 1990 e reimpressas agora pelo autor em papel fotográfico (gelatina e prata). Trata-se de uma re-edição a convite do Boston Portuguese Festival.

Os Fadistas

As fotografias aqui expostas resultam de 20 anos de busca e pesquisa pela cidade de Lisboa. Durante estes anos, fotografar foi a minha forma de me relacionar com o mundo. Comecei a reparar neles em 1979, estava então empenhado em fotografar as Tabernas de Lisboa. Deslocava-me sempre sozinho, com uma câmara de 35 mm e filme a preto e branco. Em algumas tabernas encontrava fadistas, marginais, excêntricos, com magras violas, soltavam gemidos tristes, eram apaixonados pela sua arte. Quando cantavam calavam-se as conversas e aproximavam-se os forasteiros. Comecei a reparar neles por essa altura.

De vez em quando descobria uma nova taberna com fado, mais retirada. Eram sempre homens, principalmente reformados, mas também trabalhadores, camionistas, estivadores, vendedores. Qualquer coisa os ligava, cantavam por prazer, não havia preocupação com público. Um turista ou outro podia aparecer. Isto passava-se tanto em Alfama como no Bairro Alto, também na Mouraria, na Madragoa, em Alcântara no Beato, na Bica, em Campo de Ourique. Não eram locais muito visitados, sequer conhecidos, cantava-se igualmente nos bairros populares de Lisboa. Fotografar nestes locais não era muito recomendável. Eu não passava de um estranho, que tirava fotografias, furtava imagens (e a alma quem sabe?), sabe-se lá para quê, podia ser da polícia, ou das finanças. Várias vezes tive problemas nas tabernas.

Continuei a fotografar Lisboa em meados dos anos 80 para outros projetos e encontrei-os de novo, os fadistas, nas coletividades e sociedades recreativas. Nas grandes noites quentes de junho, o fado aparece misturado com a sardinha assada e a linguiça na brasa, com o caldo verde e o vinho tinto. Nas coletividades de amadores, organizavam-se noites de fado, que se estendiam até de madrugada, põe a cantar as crianças e os velhos, onde se canta á desgarrada. Nomes sonantes, relembram glórias de outros tempos, Grupo Excursionista os Amigos do Minho, Grupo Desportivo da Mouraria, O vai tu, Academia de Recreio Artístico, Grémio de Instrução Liberal de Campo de Ourique.

Porém em meados dos anos 80, era o Acácio o grande local em Lisboa para o fado popular. No coração do bairro alto, cantava-se todas as noites ao jantar. Cantavam os clientes, enquanto jantavam ou tomavam a bica, cantavam os amigos da casa, cantavam os fadistas amadores, que se deslocavam de tasca em tasca para que os ouvissem. O viola era um miúdo, filho dos donos da casa, o Sr. Acácio e a dona Ermelinda. Outros músicos vinham de fora e guitarravam também. A casa ia enchendo, acumulava-se o fumo, os vapores e os aromas do bacalhau cozido com grão. Com o barulho das loiças e talheres, misturavam-se as conversas, as afinações das guitarras; misturavam-se também os habitantes locais com os intelectuais, os estudantes, os turistas e os revolucionários. O ambiente era muito familiar e amigável. A mim tolerava-me, sempre com as câmaras. Para os cativar, distribuía gratuitamente as fotografias, nos dias seguintes. Eram poucos, nessa altura, a fotografar e as provas a preto e branco eram bem recebidas.

Do Acácio passava-se para a Sabina, na rua da Atalaia nº13, uma humilde taberna, de dimensão exígua, com porta larga e mesas de pedra, balcão corrido onde se cantava todas as noites. A casa era pobre, servia pouco mais do que vinho, cerveja e amendoins. Mas o espetáculo era soberbo, os fadistas sucediam-se ininterruptamente, com muita gente a inscrever-se e pedir para cantar. Á porta concentrava-se a multidão que ocupava toda a Rua da Atalaia. Estava sempre cheia de gente e entre os quais turistas e intelectuais Lisboetas. 

Com o decorrer dos anos a minha aproximação passou de casual e espontânea a mais profissional. Para fotografar uma noite de fado comparecia no local de véspera, pedia autorização, licença para instalar luzes, preparava-me, chegava mais cedo. Em 1994 trabalhei afincadamente na preparação da exposição Fado no Museu de Etnologia. Já não ia sozinho, fazia parte de uma equipa, que preparava as sessões, filmava, entrevistava os fadistas. Era montado um iluminador profissional na sala. As fotografias saiam tecnicamente muito mais perfeitas, a iluminação regular e uniforme, mas perdem em genuidade.

A casa da Milú na Calçada da Bica Grande era um dos locais mais emblemáticos do fado popular, nessa altura. Uma casa de pasto enorme, servia sangria e morcela. Às sextas-feiras e aos sábados os clientes ocupavam toda a sala e as escadinhas em frente da porta, para ouvir cantar o Fado. Aparecia para cantar uma roda de fadistas, regular, que tinha de marcar vez para se fazer ouvir. A dona da casa, a Milú, governava com mão de ferro as noites do fado, impunha o silêncio, expulsava os bêbados e os provocadores, cantava à desgarrada e era por todos adorada. As sessões prolongavam-se até às 4 da manhã, apesar das queixas dos vizinhos e do barulho e desacatos permanentes pelas escadarias de pedra da Calçada da Bica Grande.

Todo este mundo passou. No bairro alto as tabernas e tascas pobres passaram a restaurantes de luxo ou de moda e afastaram os fadistas. Outras casas surgiram com fadistas, mas é outra coisa. Dele nada resta, a não ser recordações e algumas fotografias.

Luis Pavão, março de 2012

 FADO VADIO - Exposição de Fotografia de Luis Pavão (flayer)

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